Esse é um resumo dos últimos seis meses de noticiário? Não, esse é o enredo de um filme que, acredito eu, irá entrar para a lista das grandes obras da sétima arte, a trilogia O Senhor dos Anéis. O diretor Peter Jackson (que também dirigiu Criaturas do Paraíso, de 1994) não poderia saber que, durante o lançamento da sua obra um paralelo ocorreria na América, que foi atacada pela rede terrorista Al-Qaeda, construída sobre uma teologia do mal, uma perversão do Islã que promete a recompensa eterna pelo massacre imprudente dos civis. O Senhor dos Anéis é um livro que tem mais de 40 anos e narra acontecimentos que teriam ocorridos milhares de anos atrás... mas de algum modo fala a nós sobre temas atuais. Ele também toca nos pontos mais importantes da civilização ocidental: a liberdade, a fé e o significado de ser um herói.
O Nascimento da Terra-média Como um adolescente, J.R.R. Tolkien negligenciou seus estudos do latim e do grego e foi explorar as línguas do norte da Europa, em especial o finlandês e o anglo-saxão. Tolkien ficou emocionado ao descobrir os Eddas, [1] os antigos poemas das sagas medievais, e começou a dominar a gramática empoeirada e codifica daqueles contos semi-esquecidos. Em Oxford, fez-se perito na literatura nórdica e ganhou uma posição de prestígio que ocupou pelas próximas quatro décadas.
O que atraiu Tolkien a esses contos era seu eixo original e heroico. Escritas pelos bárbaros recentemente cristianizados, histórias como Beowulf e Sir Gawain e o Cavaleiro Verde estavam ligados por sua antiguidade, por seus valores pagãos do individualismo, pela coragem e a promessa de manutenção de temas bíblicos de auto sacrifício, a defesa dos indefesos e a piedade. Assim eram os guerreiros do Norte civilizado, que iam refreando suas espadas pelos códigos dos profetas hebreus e teólogos cristãos. Os netos dos invasores vikings começaram a vincular-se aos Dez Mandamentos e da teoria de Agostinho [2]: a assim chamada guerra justa.
Como o Barão de Montesquieu [3] Tolkien viu especificamente nos nórdicos o individualismo e o ódio pela tirania que permeia essas sagas, que fixou o homem medieval e moderno além de seus súditos obedientes de Roma e Bizâncio. Este espírito de "Homem Livre" sobreviveu por séculos nos cantões teimosos da Suíça, nas cidades livres do Sacro Império Romano e da nobreza da Inglaterra. Os privilégios gozados pelos reis anglo-saxões formaram a base da lei medieval inglesa, dando origem a seu moderno descendente, a Constituição Americana.
O trabalho de Tolkien, amigo de C.S. Lewis, também se refere ao norte como fonte do individualismo e da resistência á autoridade injusta. Em As Crônicas de Nárnia (da autoria de C.S. Lewis), os heróis batalham por Nárnia e pelo Norte. Em Nárnia, como em O Senhor dos Anéis, os heróis foram baseados nos cavaleiros do norte europeu medieval, que lutaram pelas sociedades livres com base na tradição, costumes, e coragem contra os exércitos de escravos recrutados em climas do sul, que usavam cimitarras, viviam no deserto, e viviam sob o governo de déspotas orientais. (é claro que isso nos traz de volta aos eventos atuais ...)
Os bárbaros modernos
É irónico que, mesmo Tolkien tendo escrito sua obra na intenção de, talvez, imortalizar a grande síntese do heroísmo do Norte com a moralidade bíblica, bárbaros modernos trabalham para reverter esse quadro. O movimento pré-nazista Völkischs [4] nascido do sangue e da humilhação da conquista por Napoleão, tomou conta da Alemanha. O Völkischs agitou a "suavidade" judaico-cristã da Alemanha em favor da crueldade pagã, e isso por quase um século. O Völkischs foi ajudado por alguns escritores que ignoravam o individualismo heroico em favor de resíduos do tribalismo pagão para desconstruir os elementos judaico-cristãos. Esse movimento se proclamava autêntico e puro em sua origem. O auge artístico deste projeto surgiu em grandes óperas de Wagner, com base na purificação das fontes pagãs. Seu apogeu político veio com a vitória de um demagogo socialista e Völkischs na Alemanha.
Embora Adolf Hitler tenha tido o cuidado de ocultar a sua ideologia neo-pagã, seus seguidores não foram tão cuidadosos ou discretos. Entre os maiores temos Heinrich Himmler que criou o SS [5] explicitamente como uma paródia pagão da Sociedade de Jesus. Himmler realizou uma ampla pesquisa na tentativa de reabilitar os rituais medievais, chegando a usar liturgias para Odin e outros deuses nórdicos em salas ocultas iluminadas por tochas. Ideólogo de Hitler, Alfred Rosenberg emitiu panfletos denunciando os Evangelhos. Josef Goebbels, o ministro da propaganda, pretendia "acabar com o último dos padres junto com o último dos judeus". Aliado de Hitler, o general Erich Ludendorff fez tentativas de abolir o cristianismo na Alemanha. Em 1936, Hitler começou a suprimir os sindicatos católicos, movimentos e escolas religiosas, formando um braço alemão da igreja cristã que iria sancionar seu regime de anti-semitismo feroz. Hitler disse a Albert Speer que chegou a desejar que a Alemanha tivesse se convertido ao islamismo em vez do cristianismo, para melhor adequá-la à guerra implacável que viria.
Como um católico fervoroso, um veterano do Somme [6] e um estudioso e genuíno de culturas nórdicas, Tolkien não era cego a esses eventos. Em 1938, Tolkien denunciou os nazistas e sua perniciosa e doutrina cientifica. Quando a editora alemã Rutten e Loening ficou interessada em traduzir O Hobbit do Inglês para o alemão, lhe escreveram perguntando se o nome Tolkien era de origem ariana. A resposta do professor pingava desprezo:
"... lamento informar que não me ficou claro o que os senhores querem dizer com arisch. Não sou de origem ariana: tal palavra implica descendência indo-iraniana; e que eu saiba, nenhum dos meus antepassados falava flindustani, persa, romani ou qualquer dialeto relacionado. Mas se devo deduzir que os senhores estão me perguntando se eu sou de origem judaica, só posso responder que lamento o fato de que aparentemente não possuo antepassados deste povo talentoso ..."
Ou como ele escreveria para seu filho, Michael, em 1941:
"... tenho nesta Guerra um ardente ressentimento particular — que provavelmente faria de mim um soldado melhor aos 49 do que eu fui aos 22 — contra aquele maldito tampinha ignorante chamado Adolf Hitler (pois a coisa estranha sobre inspiração e ímpeto demoníacos é que eles de modo algum aumentam a estatura puramente intelectual: afetam mormente a simples vontade), que está arruinando, pervertendo, fazendo mau uso e tornando para sempre amaldiçoado aquele nobre espírito setentrional, uma contribuição suprema para a Europa, que eu sempre amei e tentei apresentar sob sua verdadeira luz. Em nenhum outro lugar, incidentalmente, ele foi mais nobre do que na Inglaterra, nem inicialmente mais santificado e cristianizado ..."
Vemos na vida de Tolkien, opiniões e trabalho de uma repulsa duradoura para os males totalitários de seu século. A chave moral de O Senhor dos Anéis é a recusa da crueldade e da imutabilidade da lei moral. O anel é uma poderosa arma de guerra, mas profundamente marcada pela maldade. O anel não pode ser utilizado contra o próprio Senhor do Escuro, porque seus usuários seriam corrompidos e se tornariam novos déspotas. Alguns meios são tão maus que nenhum fim, por melhor que seja, poderia ser usado como justificativa. Algumas leis são tão sagradas que muitos morreriam de bom grado ao invés de violá-las. Nunca podemos ter como alvo os inocentes a fim de enfraquecer o culpado. Essas foram algumas das lições Tolkien tirou do cristianismo e das sagas heroicas do norte, elas devem repousar em nossas mentes e conter as nossas paixões, especialmente em tempo de guerra.
Alain Olivier
30 de abril de 2008
30 de abril de 2008
Notas do Tradutor
- Eddas, ou simplesmente Edda, é o nome dado ao conjunto de textos encontrados na Islândia (originalmente em verso) e que permitiram iniciar o estudo e a compilação das histórias referentes aos personagens da mitologia nórdica. São partes fragmentadas de uma antiga tradição escáldica de narração oral (atualmente perdida) que foi recompilada e escrita por eruditos que preservaram uma parte destas histórias.
- Agostinho é uma das figuras mais importantes no desenvolvimento do cristianismo no Ocidente. Em seus primeiros anos, Agostinho foi fortemente influenciado pelo maniqueísmo e pelo neoplatonismo de Plotino, mas depois de sua conversão e batismo, ele desenvolveu a sua própria abordagem sobre filosofia e teologia e uma variedade de métodos e perspectivas diferentes. Ele aprofundou o conceito de pecado original dos padres anteriores e, quando o Império Romano do Ocidente começou a se desintegrar, desenvolveu o conceito de Igreja como a cidade espiritual de Deus
- Charles de Montesquieu, senhor de La Brède ou barão de Montesquieu (castelo de La Brède, próximo a Bordéus, 18 de Janeiro de 1689 - Paris, 10 de Fevereiro de 1755) foi um político, filósofo e escritor francês. Ficou famoso pela sua Teoria da Separação dos Poderes, atualmente consagrada em muitas das modernas constituições internacionais.
- O Movimento Völkisch é a interpretação alemã do movimento populista, com um enfoque romântico sobre o folclore do país. O termo völkisch, que significa "étnico", deriva da palavra alemã Volk (cognato do Inglês Folk) correspondente a "povo". Segundo o historiador James Webb, a palavra também tem conotações de "nação", "raça" e "tribo". O movimento völkisch não foi um movimento unificado, mas um caldeirão de crenças, medos e esperanças que encontrou expressão em vários movimentos.
- A SS inicialmente era uma pequena unidade paramilitar, posteriormente agregou quase um milhão de homens e conseguiu exercer grande influência política no Terceiro Reich. Construída sobre a Ideologia nazista, a SS sob o comando de Heinrich Himmler, foi responsável por muitos dos crimes contra a humanidade perpetrados pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
- A Batalha do Somme, também conhecida como Ofensiva do Somme, foi travada entre julho a novembro de 1916, sendo considerada uma das maiores batalhas da Primeira Guerra Mundial. Tratou-se de uma ofensiva anglo-francesa, com o objetivo de romper as linhas de defesa alemãs, ao longo de 19 km, estacionadas na região do Rio Somme. As baixas foram elevadíssimas para ambos os lados, sobretudo para a Grã-Bretanha, ainda mais pelo fato de o objetivo não ter sido atingido.
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